quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Conto - A vocação

A VOCAÇÃO

(Pseudônimo do autor: AURORA)
Filho de Manoel Martins Arraes e Aurora Andrade, nasci em 1928 na cidade de Cocalzinho no interior do Ceará , ano de crise que já se anunciara ainda em 1927 onde a economia norte-americana vinha experimentando um boom artificial, alimentado por grandes movimentos especulativos nas bolsas e pela supervalorização de ações, e por uma queda generalizada nos preços agrícolas internacionais. O fator mais marcante deste período foi, a crise financeira detonada pela quebra da Bolsa de Nova Iorque.
Em 24 de outubro de 1929 - a chamada "quinta-feira negra", um movimento generalizado de vendas levou à brusca queda nos preços das ações e ao pânico da sociedade. Até o final daquele mês, seguiram-se novas vendas maciças e novas derrubadas de preços, acompanhadas por uma crise bancária e uma onda de falências.
Nessa época os Estados Unidos já ocupavam uma posição hegemônica na economia capitalista mundial, como maior potência industrial e financeira, este fato foi determinante para que a crise assumisse proporções mundiais. Tendo severos efeitos na América Latina, cuja economia agroexportadora foi altamente afetada pela retração nos investimentos estrangeiros e a redução das exportações de matérias-primas.
O Brasil passava pela famosa crise do café, que fez parte da história de tantas famílias paulistas que sofreram duras conseqüências desde 1920, devido ao contínuo, descontrolado e excessivo aumento da produção, cuja safra chegava a espantosos 21 milhões de sacas para um consumo mundial de 22 milhões. Em Outubro de 1929 os fazendeiros ainda estavam exportando a safra de 1927 e a safra de 1928 estava toda ela retida nos armazéns de valorização de café.
Filho muito amado, de um Lar numeroso, onde éramos 13 irmãos. E eu, era exatamente o do meio, seis antes e seis depois de mim. Embora fossemos muitos, nunca nos faltou o carinho pessoal de nossos pais, assim como tudo o que precisávamos para uma vida digna, harmoniosa e sem grandes dificuldades financeiras. Coisa rara em nossa região, devido as secas que assolavam nossos territórios de tempo em tempo.
Com certas dificuldades meu pai, pessoa muito severa e rigorosa, conseguiu burlar a crise, pela qual passava todo nosso país, e manteve nossa pequena fazenda, situada em local privilegiado, e com o trabalho de todos em nossa casa.
Com o passar dos anos e o trabalho de meus pais, nossa família foi aumentando. E nós, cientes de nossas responsabilidades para com nossos irmãos menores; não só os de nossa casa, mas de nossos irmãos em Cristo, conforme aprendemos desde muito cedo com mainha, quando em orações, repetíamos uma, ensinada por um Padre da Paraíba Fernando, aos homens do sertão: “ Senhor Deus, nosso Pai, abençoai a nossa Pátria. Defendei o Brasil daqueles que exploram o povo; vendem as nossas riquezas ; plantam nosso arroz e feijão, não para nos alimentar, mas para vende-lo ao exterior, deixando o povo morrer de fome. Senhor Deus, uni-nos na fé, na esperança e na caridade. Daí-nos a vossa luz e o vosso amor para que saibamos escolher – com liberdade e dignidade – os nossos governantes. Senhor Deus, não permitais que este estado de coisas, que anarquiza com a nossa história, continue a vigorar. Precisamos mudar, não como quem domina o povo, mas como quem serve ao povo. Virgem Santíssima, nossa Mãe, que nos destes Jesus Cristo, continuai a ser a Mãe de todos os brasileiros para que, unidos ao vosso divino Filho, possamos dar testemunho de que, na verdade, somos filhos de Deus e verdadeiros membros da sociedade brasileira.”
Somos uma família muito religiosa e temente a Deus, freqüentadores das missas dominicais e cumpridores de nossas obrigações sociais, pois assim papai e mainha nos orientou desde moleques. E eu particularmente, sofria muito ao ver uma família a passar por situações de penúria e grande necessidade.
Em 1946, completei 18 anos, sobrevivi as grandes dificuldades do pós-guerra, anos muito difíceis para todos no mundo inteiro. Terminara a guerra, e os Estados Unidos emergiam do conflito não apenas como a principal nação vitoriosa, mas também com a hegemonia econômica e política internacional consolidada.
Em face da problemática economia internacional dos anos imediatos ao pós-guerra era difícil praticar uma política econômica externa como a proposta.
O Brasil parecia levar em conta as prescrições do recém criado Fundo Monetário Internacional, incompatível com o quadro de dólares escassos, moedas européias inconversíveis e a prática corrente de protecionismo e acordos bilaterais entre os países. Além disto, os Estados Unidos estavam muito mais preocupados com a Europa e sua reconstrução econômica, do que com seu principal aliado da América do Sul. A principal preocupação dos norte-americanos era tornar a Europa economicamente forte, entre outras razões, para conter o avanço do seu principal inimigo do pós-guerra, qual seja, o comunismo.
Decorridos mais dois anos, conheço uma linda garota, filha de um fazendeiro bem abastado da vizinhança. Seu nome eu nunca poderei esquecer, pois apesar de raro em certos lugares, na nossa região era bastante comum, tão comum que era igual ao meu. Valdênia, doce e forte, apesar de sua suavidade, e eu , Jose Valdênio.
Nossos destinos se entrecruzaram naquele momento, e nós começamos a namorar.
Valdênia, era a primogênita de sua família, moça forte e corajosa, ajudava seus pais na lida da fazenda. Cuidando da parte administrativa e burocrática, visto a facilidade que tinha com números e com documentos. Era mesmo uma administradora, e negociava muito bem, os bens que a família lhe confiava.
E assim transcorria nosso namoro, com tranqüilidade, mas com a preocupação especialmente dos pais de Valdênia, a respeito da continuidade e aumento daquele patrimônio.
Eu também me preocupava muito; mas minhas preocupações passavam bem longe de ser as mesmas de meu sogro, ou de minha namorada.
Para mim moço jovem ainda, sentia em meu peito uma angústia muito grande ao me deparar com os imigrantes, empregados da fazenda e principalmente os retirantes, desprovidos de bens, a passar sérias dificuldades. Muitas vezes me peguei envolto daquele povo, dando assistência a aqueles carecidos de tudo.
Passava horas ao lado desse povo, que apesar de carentes financeiramente, tinham uma sabedoria ímpar, que vinha comungar com meus ideais pessoais. Eles eram para mim uma verdadeira inspiração. Ora ou outra eu assistia as reuniões daqueles grupos, e os líderes sempre alertavam os demais dizendo para que não se iludissem e nem se deixassem enganar com promessas ou dinheiro, nem por benefícios ou vantagens que caso os políticos candidatos os fizessem, nem mesmo por empregos, mas para que todos se guiassem pela fé e que fossem unidos, pois assim “teremos força, não para pedir esmolas a governo que não nos quer governar – mas para exigir, daqueles que querem servir ao povo, os caminhos que Jesus deixou para caminharmos neles. Assim Seja”
Transcorridos dois anos de namoro, conforme era de costume, foi realizado nosso noivado. Tudo ia muito bem para todos, menos para mim, que entrava em conflito comigo mesmo, sem decidir com segurança como seria meu futuro. Poderia ser muito interessante, construir minha família, mas como conseguiria depois de casado, continuar dando a mesma assistência às famílias necessitadas?
E vivendo este conflito interior, fui refletindo sobre o assunto.
Certa vez, minha noiva pediu-me que fizesse uma viagem de avião a Paraíba, eu iria como co-piloto de um aviãozinho particular, de meu sogro, e esta viagem era exatamente para que eu pudesse ajudar na compra de novo avião de irrigação para a fazenda.
Chegando em Cajazeiras, o que mais me chamou atenção foram as fortes tradições de linhagem espiritual e cultural, a cidade era considerada como luz, berço da instrução no interior do Estado. Remontou-me a infância, quando mainha nos contava histórias de um certo padre de Patos, Fernando Gomes dos Santos (1910-1995) que iniciou o seminário ali e o concluiu em Roma, retornando a Cajazeira, como padre, e fazendo belos e inspiradores trabalhos sociais, em sua terra natal.
Minha primeira visita foi à Igreja, e lá chegando pude conhecer o Padre que me ouviu em confissão e me orientou. Ali fiquei sabendo também, sobre o seminário da região. Seminário Nossa Senhora Da Assunção cuja Pedra Fundamental foi Benta em Roma, no dia 16 de junho 1950, pelo Santo Padre o Papa Pio XII; Lançamento solene, no dia 22 de agosto de 1950, pelo então Bispo de Cajazeiras Dom Luiz do Amaral Mousinho.
Criada a Diocese em 06 de fevereiro de 1914, pelo Papa São Pio X, através da Bula "Maius Catholicae Religionis Incrementam", e desmembrando-a da Diocese da Paraíba que, nessa mesma data, foi elevada à dignidade de Metrópole. Abarcava inicialmente, toda a região sertaneja deste Estado. Prolongando-se até a serra de Teixeira, e daí pelos limites que separavam a Paróquia de Teixeira das Paróquias de Patos e Piancó até o Estado de Pernambuco.
Parecia que as respostas às muitas perguntas que eu fazia a mim mesmo ao longo de minha vida estavam para ser respondidas. A princípio meu peito parecia que ia explodir de ansiedade e desejos por respostas.
Em orações, pedi para que estas respostas me fossem colocadas à frente, gostaria de não ter mais dúvidas quanto ao que eu queria. Minha ansiedade era tanta, que naquela noite, sonhei com alguém me dizendo: Genesi 12,1. Não me lembrava de mais nada a não ser daquela voz que repetia Gen.12,1. Ao acordar fui imediatamente solicitar do gerente daquele hotel, uma Bíblia para verificar do que se tratava.
E ao abrir, para minha surpresa, lá estava “O Senhor disse a Abraão:Deixa tua terra, tua família e a casa de teu pai, e vai para a terra que eu te mostrar”. Levei um belo de um susto, e disse a mim mesmo, bobagem, foi apenas uma coincidência, então resolvi abri-la, a bel prazer, acreditando que assim, Deus me guiaria a uma resposta. Então abri, e desta vez era Êxodo 3,10 “Vai, eu te envio ao faraó para tirar do Egito os israelitas, meu povo” o susto foi ainda maior e eu fechei imediatamente aquele Livro, que parecia brincar comigo. Então resolvi tirar a prova, e corajosamente tornei a abrir aquele Livro Sagrado, mas desta vez, uma chama tomava conta de todo o meu ser e me trazia uma tranqüilidade que eu jamais sentira.
Abri novamente a Bíblia imediatamente e veja só, Deus falava mesmo comigo, desta vez ao abrir, fui contemplado com Marcos 10,21 “Jesus fixou nele o olhar, amou-o e disse-lhe:Uma só coisa te falta; vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me.” Conforme eu ia lendo aquelas palavras, as lagrimas iam rolando eu meu rosto e uma paz ia tomando conta de todo o meu ser. E uma certeza tomava conta de mim. Eu não mais precisava ter medo.
Então a única coisa que me restava era mandar de volta o avião que me trouxe, com o recado a minha noiva e aos meus pais.
E assim seguir meu novo caminho, agora no Seminário.
Sem mais duvidas em meu coração, mandei o recado junto com uma carta aos meus. Papai, homem de poucas palavras, evitava os verbos; se posicionou com apenas meia palavra “qua”, e mainha entendeu claramente o meu desejo de conhecer aquela manifestação de divindade que me era apresentada; se colocando do meu lado e me apoiando incondicionalmente.
Já no Seminário, comecei meus estudos, fazendo oito anos divididos entre Filosofia e Teologia, além de conhecer cada vez mais a vida dos Santos e daquele que se tornava minha inspiração, e que já se fazia Bispo de Penedo, em Alagoas em 1943 e em 1949 transferido para Aracaju, Dom Fernando Gomes dos Santos atuava no campo social, nas vocações e na Ação Católica, sob a obediência de Pio XI.
Eu já estava a um ano no seminário, a vida lá dentro não era nada fácil. Além de muito estudo, o que mais nos testava à verdadeira vocação era a obediência. Fator de importância ímpar dentro de um seminário. Tínhamos que manter sempre a ordem e a disciplina de tudo, respeitando sempre a hierarquia.
Mas eu não me incomodava com aquilo e me dedicava cada vez mais aos estudos e trabalho no seminário, assim como Dom Fernando, que teve participação ativa na criação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), neste ano de 1952.
Em março de 1957, cria-se a Arquidiocese de Goiânia e Dom Fernando, foi designado seu primeiro arcebispo, tomando posse ao cargo em junho deste ano.
Conforme meu aprendizado ia melhorando, mais compadecido eu ficava pelos excluídos, meus irmãos menores e desprovidos. E buscava iluminação naquele que eu considerava meu candeeiro de inspiração.
Quem não ficava nada satisfeito com nossos questionamentos, eram os políticos da região. Raposas velhas, que estão tornando um vício, e que precisamos fazer alguma coisa para mudar este quadro. É preciso respeitar a amizade de nosso povo.
Em 1959 nós concluímos o seminário, e fui ordenado padre, junto com quatro companheiros.
Ao me prostrar ao chão, na cerimônia de ordenação, senti novamente a força o espírito Santo envolvendo minha alma. E agradeci a Deus naquela entrega, por ter me dado a sabedoria de ouvi-lo e deixá-lo conduzir minha vida. Aquele era o meu casamento com Maria, o sim, a Nossa Senhora e eu deveria ser eternamente fiel a Ela e a Deus, através de meus votos.
Continuei meu trabalho como sacerdote, agora em regiões semi-aridas, onde muitas visitas à comunidades eram feitas a pé ou a cavalo. Convidando sempre representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para olhar de perto as políticas públicas que deveriam atender às crianças e aos adolescentes.
No sentido de fazer com que os grupos interfiram na elaboração do Orçamento Público Municipal e acompanhem o processo de discussão e aprovação na Câmara Municipal.
Procurando sempre seguir os exemplos de Dom Fernando, fiz também opção preferencial pelos pobres, através de uma evangelização encarnada na vida e cultura sertaneja, resgatava a dignidade das pessoas, renovando “comunidades, participando da construção de uma sociedade justa e solidária, formando em santidade o povo de Deus, a partir da Eucaristia, fonte e ápice na vida da Igreja, para que, no Espírito Santo, anuncie, celebre, espere e caminhe rumo ao Reino”.
Com esta atitude ao lado dos excluídos, acabei comprando uma briga ferrenha com os políticos da região, que passaram a me perseguir.
Eu alertava o povo de Deus, que no Reino dos Céus, não havia meio termo, e nada poderia escapar a integridade de um ser, pois nós somos a casa do Espírito Santo, e para ser um bom pastor, era preciso primeiro conhecer a fundo seu povo, reconhecendo a própria voz de cada um de seu rebanho, e não apenas dando presentinhos em épocas de campanhas políticas.
Certa ocasião, em uma visita rotineira (de bicicleta) aos fiéis, sofri um atentado contra minha vida. E por conta deste, tal sua gravidade, fui designado pelo Bispo a ir para Goiás, fazer tratamento de saúde. Era o segundo ano de meu padroado, inicio de 1962.
Mas uma vez, Deus tinha para mim o Seu projeto. Mas esta história eu conto mais tarde, e por conta disto, acabei por realizar meu grande sonho; foi o maior aprendizado de minha vida, fui chamado ao Concílio Vaticano II, eu seria só um acompanhante. E deveria acompanhar nada mais nada menos do que Dom Fernando Gomes dos Santos, o meu grande herói, minha fonte de inspiração durante todos os anos no seminário.

Olha que abraço mais gostoso, quer um?

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