terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

sincretismo religioso

Os meus deuses não me pedem nenhuma religião. Pedem que eu esteja com eles. E depois de morrer que eu seja um deles.

Nimi Nsundi (Couto: 2006,113)


O romancista Mia Couto é uma dessas vozes africanas que apresentam de maneira contundente, por meio de seus sujeitos históricos e ficcionais a vivência de seres que, travam a luta pela existência material e espiritual em palco africano mais precisamente em Moçambique.
O romance “O outro Pé da Sereia” traduz a contemporaneidade moçambicana relacionada ao passado do Reino Monomotapa do século XVI, o que estabelece um confronto entre culturas de dois tempos e duas estruturas religiosas, uma mítica, vinculada ao passado e a natureza e outra estrangeira e positivista representada pela igreja católica.
Em uma entrevista concedida ao portal de literatura, em 26/09/2006 o autor diz que a inspiração para escrever o romance lhe veio ao ler a “Carta de Antonio Caiado, sobre a morte de D. Gonçalo Silveira . Essa afirmação de Mia Couto, confirma a importância de várias obras literárias elucidar momentos e contextos históricos por elas abordados.
A narrativa se inicia no ano de 2002, quando um pastor de cabras e burros presencia a queda de um objeto metálico incandescente em suas terras. Zero Madzero e sua mulher Mwadia vão até a casa do adivinho Lázaro, em uma floresta, pedir permissão para enterrá-la às margens do rio, ao fazerem isso encontram uma estátua de Nossa Senhora sem um pé, um esqueleto e um baú com documentos antigos.
O reino Monomotapa do século XVI atraia para as terras dos Sofalas , portugueses ávidos por ouro e intenções de expandir a fé cristã e converter as “almas pagãs” africanas. A expedição de Dom Gonçalo da Silveira partiu em 1560 de Goa na Índia, que fora desmembrado do Bispado do Funchal em 1534, quando Paulo III, através da Bula Aequum Reputamus, cria aquela nova Diocese. Este novo Bispado compreendia toda a extensão territorial desde o Cabo da Boa Esperança até ao Japão. A travessia marinha e as naus em que seguiam, o jesuíta Gonçalo da Silveira, o escravo Nimi Nsundi, a estátua de Nossa Senhora benzida pelo papa, a indiana Dia e o padre Manuel Antunes constitui o cenário e a trama a ser desvelada pelos sujeitos históricos e ficcionais de Vila Longe. Mwadia uma das personagens do romance encerra o elo de conexão entre o século XVI e o presente da província de Sofala em Moçambique.
Mediante o exposto, o presente estudo tem por objetivo, propor discussões em torno das representações do sincretismo religioso em Moçambique.
O fio condutor desse enredo centra-se na estátua de Nossa Senhora, a virgem que o escravo Nimi Nsundi interpreta como se fosse a rainha e deusa Kianda , entidade mítica cultuada em sua terra natal. Esse objeto mítico constitui o pilar de convergência das histórias que se contrapõem e se completam próprios das relações dialógicas dadas pelos relacionamentos humanos estabelecidos em dois tempos. O tempo atual levado a efeito pela vivência de seres que se perpetuam em suas comunidades interioranas como Antigamente e Vila Longe e o tempo passado dado pelo alcance do domínio português em territórios litorâneos da costa indica e que são na verdade os mesmos no que tange a territorialidade geográfica.
A estátua perdida foi encontrada por Zero Madzero e Mwadia nas proximidades de Antigamente, enquanto enterravam a estrela, na floresta dos antepassados. Espaço que deixou de ser sagrado quando o casal conspurca o rio e a floresta. Para se livrar de uma maldição de morte foi dada a eles a tarefa de encontrar um local adequado para guardarem a estátua da santa. Vila Longe é o espaço urbano mais próximo e, portanto mais cômodo para abrigá-la, por ter igreja e ser a terra da protagonista Mwadia que ali retorna, para resgatar suas memórias e se juntar a outros personagens que configuram o ambiente sócio-cultural daquela localidade.
A narrativa de O Outro Pé da Sereia recria a originalidade das aldeias moçambicanas forjadas pela língua portuguesa, e segundo Russel Hamilton essa recriação é sustentada por uma exuberante criatividade lexical e uma síntese que faz ponte entre a oralidade e a pura invenção, em que o contexto comunicativo, estético possibilita a partilha da mensagem. ( Apud Lopez José) Cultura Acústica e Cultura Letrada.
Embora o português seja a língua oficial, seu uso limita-se as áreas urbanas, ali são faladas 18 línguas sendo que para um número considerável de falantes, o português funciona como uma segunda língua. A grande maioria da população fala línguas do grupo nígero-congolês, da família banto. Também são faladas línguas asiáticas principalmente no litoral norte. Esse mosaico étnico lingüístico configura uma diversidade cultural que dificulta a delineação de uma identidade genuinamente moçambicana, mas por outro lado permite aos contadores de histórias usarem toda a plasticidade inerente as línguas maternas. È assim que o narrador de O Outro Pé da Sereia consegue traduzir valores e remanescentes de cultura de tradições orais, usando neologismo, introduzindo-os em provérbios, máximas ou aforismo. A atmosfera do interior moçambicano na prosa de Mia Couto é exprimida através desse recurso literário e da incorporação dos vocábulos pertencentes ao léxico local, como podemos observar na fala do adivinho Lázaro com Zero Madzero:

── Esses ossos você não mexeu neles, pois não?
── Sou quizumba para mexer em ossos já mortos?
── Você sabe de quem são esses tais ossos?
── Nunca ouviu falar do missionário Silveira?
Não. Madzero era de uma pequena aldeia chamada Passagem, um emigrado de outras lendas, mas logo se apercebeu de que era assunto de peso.
Esses ossos são dele, desse padre português. Estão ali mais de quatrocentos anos...
── Quatrocentos anos? O pastor até soltou uma gargalhada tal era a perplexidade.
── Quem guarda esses ossos são aves de rapina.
O adivinho espreitou o céu. Inspecionava se não seria perseguido pelas voadoras guardiãs, Suspirou e prosseguiu, em tom contido, como se receasse ser escutado (COUTO, 2006, p,41)

Na verdade os restos mortais de Gonçalo da Silveira jamais foram encontrados. Mia Couto enquanto tecia o romance, preocupava com os dados históricos. Pensou em empenhar por busca arqueológica dessa ossada, mas desistiu quando vislumbrou o tamanho da responsabilidade de tal empreitada.


Autor, Vida e Obra.

Antonio Emilio Leite Couto, conhecido como Mia Couto é filho de um casal de portugueses emigrados para Moçambique em 1951. Nasceu em Moçambique no ano de 1955, onde passou toda a sua vida.
Foi jornalista da Revista Tempo e do Jornal Notícias de Maputo, além de ter sido diretor da Agencia de Informação de Moçambique. Também se iniciou nos estudos de medicina e se formou em biologia. Participou da luta pela independência de Moçambique e em 1975 quando fez parte do movimento pela libertação: A FRELIMO .
Mia Couto iniciou sua carreira literária em 1983 quando publicou o livro Raízes de Orvalho, um livro de poemas. Recebeu vários prêmios. Sua obra Terra Sonâmbula, publicado em 1987 foi relacionada como um dos melhores livros africanos do século XX.
Publicou mais de dezenove livros, entre poesias, contos e prosas, mas é nessa ultima categoria que sua genialidade se destaca. Sua capacidade inventiva de recriar palavras o faz ser comparado com Guimarães Rosa, de quem Mia Couto admite ter recebido muita influencia.
Beira, cidade onde Mia Couto nasceu e cresceu, é portuária do litoral índico, local de intenso trânsito de árabes, indianos e outros povos, que ajudaram no processo de miscigenação, experiência que se faz presente em seus romances, tanto em O Outro Pé da Sereia como em Terra Sonâmbula, na qual impregna de saberes indianos e árabes, os personagens que circulam em seu enredo.
Outra característica decorrente dessa vivencia litorânea é o domínio para traçar identidades forjadas no contato com o mar, em contraponto com os povos das savanas. Moçambique tem as costas voltadas para o Oceano Índico e é constituída por cinco províncias sendo a de Sofala toda de litoral. Mas não só de contrapontos entre culturas marítimas e interioranas são formadas seus enredos. Há um contraponto de tempos históricos, cuja técnica literária de lidar, com tempos narrativos, possibilitam o leitor passar de um tempo a outro, sem perder o contexto da viagem.
No caso da obra em questão, essa técnica aparece quando a imagem da Santa, se torna o elo temporal real que anima a vida daquela travessia marinha portuguesa em 1560, e que no presente dinamiza a existência de uma comunidade a ela ligada por laços sincréticos.

Antecedentes históricos

O comércio entre os povos do Oceano Índico no século XV era dominado pelos árabes de Omã. Esses buscavam na Índia, panos de algodão, miçangas e ágata para trocarem por marfim, escravo, ouro, cera e resina na África oriental, de maneira que as relações de comércio português do Índico Afro-asiático só ganhariam força em meados do século XVI, quando o ouro de Sofala tornaria essencial para dar continuidade às transações econômicas portuguesas no oriente.
De acordo com Carlos Serra 1988 as feitorias de Moçambique e Quiloa, a fortaleza de Sofala, estabelecidas entre 1502/05 não garantiam a efetiva dominação do comércio do Índico aos portugueses, pois até 1530, os árabes e mesmos as dinastias locais bloqueavam a passagem de mercadorias para o interior da África. (Apud. Santos, Corcino) Moçambique como centro de articulação do comércio português do Índico Afro-Asiático.
Os contatos com os povos do Reino Monomotapa ocorreram a partir de 1530 com a penetração portuguesa no vale do rio Zambeze, tornando os monomotapas dependentes de seus negócios. Essa dependência acontecia por conta da necessidade de abastecimentos de tecidos da Índia e miçangas de Veneza pelos monomotapas.
O reino Monomotapa abrangia uma extensa área limitada pelo rio Zambeze, a norte, o oceano Índico a leste e o rio Limpopo ao sul e ocupava terras tanto da atual Zâmbia quanto de Moçambique.
A posição geográfica de Moçambique era estratégica para Portugal, que tinha nesse espaço, sobretudo na Ilha de Moçambique uma base para de abastecimentos dos navios de carreira da Índia, mas essa importância foi paulatinamente transferida para os negócios praticados entre portugueses e monomotapas, isto porque a intermediação árabe foi diluída com a presença lusitana diretamente na zona mineradora
Por onde passaram mercadorias, passaram também idéias, credos, ritos e mitos, cujas inter-relações se processaram inicialmente nos locais de encontro dado por rotas marítimas ou terrestres.
Moçambique a esse tempo foi um centro de articulação do comércio do Índico afro-asiático, que canalizou cultura de três povos distintos: europeus cristãos, árabes islamizados e indianos hindus que fundidos com as tradições africanas resultou na formação do forte sincretismo professado por boa parte da população moçambicana.
Continuamos a seguir...

Chegada dos Portugueses

Chegada dos Europeus a Costa Brasileira

Com a chegada dos europeus a costa brasileira no início de século XVI, esta era habitada por diversos grupos nativos: tamoio, tupinambá, goitacaz, guaianaz, carijó, tupiniquim, tabajara e outros. A maioria dos grupos era pertencente aos tupis, e estes forneceram aos colonizadores informações sobre outros povos, os tapuias, entre os quais se encontravam os índios de Goiás. (Hist. De Goiás em Doc. Luis Palacin; Ledonias F. Garcia e Janaina Amado,- p.11)
O grande “descobridor” de Goiás foi Anhangüera. Isto não significa que ele fosse o primeiro a chegar a Goiás, como vimos anteriormente, mas sim que ele foi o primeiro em vir a Goiás com intenção de se fixar aqui, (1690 1718).
Expedições organizadas na Bahia, (centro da colonização) tidas como oficiais e caracterizadas como “entradas, descidas e bandeiras” percorreram o território do então chamado Estado de Goiás, com finalidade de explorar o interior, capturar os índios e buscar riquezas minerais, para a coroa portuguesa. Estes índios, logo que capturados, deveriam ser também aldeados, ou seja, reunidos em povoações fixas, chamadas aldeias, onde, sob supervisão da uma autoridade leiga ou religiosa, deviam cultivar o solo e aprender a religião cristã. (Hist. De Goiás – Luis Palacin e Maria Augusta sant’anna Moraes;1975 - p.6)
Em 1754, D. Marcos do Noronha primeiro governador da Capitania, estabelece um regimento a estas aldeias, submetendo os índios a um rigoroso regime militar, que gerou os piores resultados. (De Goiás em Doc. Luis Palacin; Ledonias F. Garcia e Janaina Amado, p.88)
De São Paulo também vieram expedições para Goiás, chegando até o extremo norte, em busca dos índios. Mas o costume de migrar, ou pelo habito, ou por guerras entre inimigos, faziam com que os vencidos se refugiassem nos sertões, em busca de novas terras para o cultivo, ou simplesmente para fugir do colonizador, que os obrigava a se escravizar, mantendo-os presos e matando-os caso julgassem necessário. (Hist. De Goiás em Doc. Luis Palacin; Ledonias F. Garcia e Janaina Amado, p.11)
Segundo Saint Hilaire, falando de Goiás, desde os primeiros dias da colônia até a chegada da Corte ao Rio de Janeiro, os governadores, que aqui representavam a família real, gozavam de um poder praticamente ilimitado.
A falta de comunicações, a carência de um aparelho administrativo organizado, as enormes distâncias e a inexistência de uma polícia ainda que rudimentar, fez com que a existência e o reconhecimento de uma ordem legal significasse exatamente o contrário de um poder ilimitado e , neste ponto, a sobrevivência de muitos direitos pessoais e de classe, próprios do direito estamentário, dificultavam, ainda mais, o exercício da autoridade na província.
Os governadores se encontravam, não só longe do poder absoluto, mas mesmo de uma real autonomia. Não nomeavam nem escolhiam seus colaboradores, nem podiam destituí-los, não podiam criar novos ofícios nem prescindir dos existentes; deviam prestar contas, e esperar aprovação, até dos menores gastos extraordinários. Qualquer inovação na lei ou no costume devia ser submetida, de antemão, ao Conselho Ultramarino, e não podia ser posta em prática sem sua expressa aprovação.
Segundo Palacin, é relativamente grande a documentação que aborda a passagem de bandeiras e descidas pelo nosso Estado no século XVII. Já no século XVIII há grande movimento migratório por parte dos nativos.


Século XVII em Goyás.


As bandeiras seguindo de canoa até o extremo norte de Goiás, região do Estreito, seguiam o curso dos rios: Paranaíba –Tocantins-Araguaia, e voltavam pelo Tietê a São Paulo; viagem que durava entre 2 e 3 anos, naquela época. E as descidas usadas pelos jesuítas, que tinham criado na Amazônia um sistema bastante estruturado, que buscava índios para as aldeias de aculturação. Eram expedições fluviais, que subindo o Tocantins chegaram a Goiás. (Hist. De Goiás – Luis Palacin e Maria Augusta Sant’Anna Moraes; 1975-p.6e 7)

FIGURA 1: Mapa Rios: Paranaíba –Tocantins-Araguaia As bandeiras seguindo de canoa até o extremo norte de Goiás, região do Estreito, seguiam o curso dos rios.(fotografado dos arquivos do IPHBC- domínio público)

A partir de 1653, iniciam-se regularmente expedições dos jesuítas e demais expedições em busca de minas de ouro das quais tinham noticias, a partir de caminhos fluviais, partindo de Belém pelo Amazonas e remontando depois o Tocantins.
Segundo Palacin bandeira era uma expedição organizada militarmente, onde cada participante contribuía com parcela de capital representado por seus escravos.
Entre os principais financiadores das bandeiras, destacou-se João Leite da Silva Ortiz, genro do Anhanguera, e proprietário de lavras em Minas, e João de Abreu, irmão de Ortiz. Entre todos os participantes contavam-se uns 150 membros, mas incluindo os escravos, índios e negros, chegava a um total de quinhentos membros. O que fez surgir desavenças entre os líderes paulistas e os componentes das bandeiras.
O Anhanguera se ofereceu ao governador Rodrigo César de Menezes para fazer uma expedição para Goiás. Conforme lembranças suas, ele havia andado com o pai, quando tinha apenas doze anos, pela região do rio Araguaia, e ali recolhido algum ouro.
E estava tendo agora uma oportunidade de retornar ao local, carregado de experiências vindas de sua idade já avançada, fato este que não impediu seu “impulso aventureiro”. Apesar de Anhanguera possuir “muita experiência do sertão dos Guayazes”, ele não fizera “o seu descobrimento por falta de meios” (Resgate, Cap. de São Paulo, 1, doc.250).

Adolescência - uma pequena parte dela

  Adolescência   Dos onze aos quatorze anos eu estudei no CCCM, fica ao lado da Igreja Coração de Maria, na Av. Paranaíba no Centro de Goi...