domingo, 29 de setembro de 2013

Goiânia ( segundo Manuel Ferreira Lima Filho)

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Revista de Antropologia

Goiânia: uma cidade patrimonial?

No Cerrado nasce Goiânia

A decisão de se construir Goiânia, uma nova capital para o

estado de Goiás, era a de que a velha capital, cidade de Goiás,

fundada em 1726, à margens do Rio Vermelho, não mais apresentava

condições geográficas e ambientais para o desenvolvimento

de uma capital de um Estado que tinha como principal meta romper

com a noção de atraso que o imaginário nacional tinha sobre ele.

Aliado a esse fato, registra-se a trama política coordenada pelo

interventor Pedro Ludovico Teixeira, com total apoio do presidente

Getulio Vargas, de enfraquecer o comando tradicional de velhas oligarquias

no Estado, notadamente a dos Caiado, deslocando a capital

de um espaço político e social liderados por alguns de seus representantes.

Nessa primeira onda bachelariana do tempo, Goiânia nasce

assim como ruptura, um vetor da cidade de Goiás. Suas primeiras

formas espaciais são pensadas nas pranchas dos urbanistas e projetistas.

Em 1933, sua pedra fundamental é lançada onde hoje é o poço do

elevador do Palácio das Esmeraldas, residência oficial do governador,

na praça central da cidade indicada por Attílio Correa Lima com um

pedaço de osso de uma ema diante de um cerrado aberto e plano

(Metran, 2006).

Essa ruptura espacial e temporal não foi tão pacífica assim. Houve

resistências, e a cidade de Goiás se dividiu. Mas o fato é que Goiânia

começa a ser construída em 1933. O poder legislativo e o executivo são

transferidos em 1937, e o batismo cultural da cidade aconteceu em

1942 com grande mobilização nacional.

Com os primeiros anos, algumas famílias da cidade de Goiás

mudaram para Goiânia, enquanto outras permanecem. E assim, separam-

se ritmos entre as cidades: Goiás se volta para continuar suas

formas de sociabilidade nascidas de uma passado colonial, com suas

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festas religiosas, seus alfenins, suas igrejas, seus artistas, sua elite,

álem de sua periferia profundamente identificadas com símbolos do

mundo rural. Não pára no tempo, mas segue seu próprio ritmo,

historicidades, sociabilidades e referências culturais e identitárias.

Goiânia, por sua vez, busca a velocidade da modernização, de cumprir

sua meta de metrópole no Planalto Central do Brasil, como um ensaio

experimental para a construção de Brasília anos depois, e, ao mesmo

tempo, inspirada na experiência de Belo Horizonte no final do século

XIX.

Foto 01: Praça do Coreto na cidade de Goiás, no ínicio do século XX

Fonte: Craveiro (1994)

O Plano urbanístico da nova cidade, concebido por Attílio Correa

Lima, de influência francesa, explorou a topografia do sítio, pois o

traçado proposto para o núcleo pioneiro de Goiânia favorecia a drenagem

por topografia, integrando as microbacias hidrográficas. Ele

procurou privilegiar o sistema viário com avenidas largas, sistemas de

estacionamento, beneficiando assim o comércio. Utilizou-se, então de

uma malha ortogonal. Para a zona industrial, nas imediações da estrada

de ferro concebeu desvios e uma estação de triagem. Para a zona

residencial o plano previa uma área tranqüila, distante do movimento

do centro. Reservou, em seus planos, grandes áreas verdes que visavam

a salubridade e a beleza. O plano por ele elaborado criava os setores

central, norte, sul, oeste e leste com delimitação espacial bem definida.

Com mão de obra recrutada do interior de Goiás e de outras regiões do

país construiu-se assim Goiânia. (Machado et al, 2003 e Silva, 2006).

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Goiânia: uma cidade patrimonial?

Mais tarde, outro urbanista, Armando de Godoy, de influência inglesa,

continua a projetar os primeiros traços da nova capital inspirado na

cidade jardim inglesa.

Podemos observar na tabela abaixo o crescimento demográfico

da cidade entre as décadas de 1940 a 1980:

1940 19.000 habitantes

1950 53.000 habitantes

1960 150.000 habitantes

1980 700.000 habitantes

1998 1 milhão

2006 (estimativa em julho) 1.220,412 habitantes

Dados Populacionais da Cidade de Goiânia (1940-2006)

Fonte: IBGE (2007)

Projetada para ter 50.000 habitantes, a população de Goiânia

cresceu rapidamente, unindo-se a Campinas, que dela estava separada

por 6 km. Campinas tornou-se um bairro de Goiânia, como muitos

outros que foram surgindo (Machado et al, 2003).

Tornando-se “Patrimônio”

No ano de 2002, Goiânia é alvo de um processo de tombamento

Federal de seu Núcleo Pioneiro juntamente com edifícios públicos e

componentes Art Decó (IPHAN, 2002). O Estilo Art Déco foi lançando

oficialmente em 1925, em Paris. A arquitetura é marcada por volumetria

geométrica, simétrica e imponente, com ornamentação e, portanto,

muitos elementos decorativos. No Brasil, foi amplamente difundido no

período do Estado Novo, tendo como exemplo típico a torre do relógio

da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, e quase todas os edifícios dos

Correios espalhados pelo país construídos nessa época. Em Goiânia, o

estilo foi adotado nos principais prédios públicos.

O processo de tombamento do conjunto de elementos Déco em

Goiânia foi conduzindo por várias instituições e atores sociais, liderados

pelo IPHAN regional, movidos pelo sucesso de um processo anterior,

que culminou na declaração da cidade de Goiás como patrimônio da

Humanidade pela Unesco. Novamente as duas cidades são coladas no

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imaginário e nas ações políticas do Estado Brasileiro. Se antes Goiânia

nasce como um ato de rompimento da Cidade de Goiás (1933), agora

(une-se) nutre-se da experiência bem sucedida do processo do

tombamento de Goiás para reivindicar e ver também bem sucedido a

nomeação de um status patrimonial em âmbito nacional (2002). É

como se os vetores do tempo se unissem novamente pela categoria

excepcionalidade: uma pelo casario colonial, outra pelos seus

componentes Art Déco.1

O processo do tombamento de Goiânia colocou em pauta o

patrimônio cultural da cidade e indagações sobre os significados desse

tombamento nas representações sociais que os pioneiros e habitantes

da cidade tinham sobre ela. Embora seja uma cidade relativamente

nova (73 anos) a questão do “centro histórico” assim como toda a

cidade, tem sido objeto de quatro planos urbanos que defendiam

estratégias, instituíam concursos públicos de requalificação do núcleo

histórico e de fachadas dos prédios, além de demandas de associações

junto à prefeitura. Atualmente, um quinto plano tramita na Câmara

Municipal (Silva, 2006).

O processo de tombamento também institui uma “memória

oficial”, e Goiânia se “torna” colecionada, classificada, indexada, padronizada,

enfim, musealizada. Se o processo de tombamento do

conjunto de vinte e dois elementos e prédios públicos considerados

representativos do estilo Art Déco coloca a cidade positivamente no

cenário nacional e internacional, pode, por outro lado, induzir A um

processo identitário redutor.

Se o processo de tombamento pode ser visto como uma ação

naturalizada do IPHAN, numa esteira de tradição do órgão, desde os

tempos de Rodrigo Mello Franco, amparada por um direito positivista

de nossa legislação, as pesquisas, tanto do ponto de vista da arquitetura

quanto da antropologia, apontam, inequivocadamente, para o

fato de que a Art Déco está longe de ser uma expressão de penetração

no imaginário da cidade. Ela deve se compreendida apenas como uma

ação legitima e normativa do IPHAN aos aspectos inerentes ao processo

de tombamento, proteção e divulgação e até mesmo de valorização de

uma, entre várias formas arquitetônicas, que registrou uma concepção

de morar, representar idéias e transmitir valores. E assim, o Art Déco

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Goiânia: uma cidade patrimonial?

não pode ser utilizado como um ícone totalizador da identidade da

cidade.

Se o Art Deco é uma das formas arquitetônicas da cidade que

remete a um tempo social e político, notadamente da política de Vargas,

quais são as outras formas temporais e sociais que poderiam desenhar

o mosaico de formas e tempos sociais de Goiânia ?

A Rua 20 como Rito de Passagem

Podemos pensar que na perspectiva da literatura nacional e regional,

os grandes espaços do cerrado do estado de Goiás na década de

1930 e 1940 se identificam com uma categoria do pensamento social

brasileiro denominada de sertão. Grandes espaços, gado a esmo, natureza

indomável, casebres, atraso, isolamento. Nesse sentido, podemos

pensar que o movimento de deslocamento da capital do Estado da cidade

de Goiás para as proximidades de Campinas (hoje um bairro de Goiânia)

é um deslocamento no “sertão” na perspectiva que Vidal e Souza (1997)

denominou de “crescer para dentro” na esteira da construção de uma

nacionalidade colocada em prática pelos que marcharam para o oeste,

como analisei em outro trabalho entre os pioneiros da Marcha para o

Oeste (Lima Filho, 2001). Assim, nas próprias narrativas dos primeiros

habitantes de Goiânia, o cenário era de sertão, um mundo mágico: a

paisagem, as impressões e representações da natureza a ser domesticada,

matas, bichos, forças incontroláveis da natureza, vastidão, vazio como

nos mostra Da. Armênia:

Não havia água, nem energia elétrica ainda. (...) Para preparar as refeições

de nossa filha, usávamos uma pequena fogueira, do lado de fora do prédio.

Não se encontrava um fogareiro. (...) até vir de Goiás um fogareiro de

álcool. Na época, convivíamos em Goiânia com pequenos animais que

viviam na periferia das matas, como coelhos, iaras, gatos do mato, (...)

sagüis, tatus etc. Naquele mundo mágico, o vigia noturno do Grande

Hotel caçava coelho e tatu-galinha (...) Aranhas caranguejeiras entravam

livremente pelas portas de fora (...) A tempestades de Goiânia (...) eram

realmente impressionantes! Na vasta campina aberta, ainda quase vazia

o vento campeava solto, adquirindo uma força e velocidade incontroláveis

(...) Caiam raios em todas as direções (...) com a força que adquiria

começava a levantar folhas, papéis, galhos secos e por fim já era uma

ameaça terrível para as pessoas (...) ai de quem cruzasse sua rota; era

arrastado, rodopiado (...) lançado de encontro aos muros ou cercas de

arame farpado. A população temia-os (...) Misto de cidade e sertão (Souza,

1989: 25-28 e 51).

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Foto 02: Rua

20. Antônio Pereira

da Silva. Déc. 1940.

Goiânia. Acervo

MIS-GO.

Este ambiente narrado como sertão era um estado “cru”, pensado

por Lévi Strauss. A instalação da “civilização” era o inicio do processo

do “cozimento” da transformação da natureza para a cultura.

Contudo, numa perspectiva etnográfica, os primeiros habitantes de

Goiânia não eram sertanejos. Eram pessoas, provenientes do interior de

Goiás e de Minas Gerais, principalmente. A primeira leva de moradores

da antiga capital, funcionários públicos, professores, administradores,

profissionais liberais e, de modo expressivo, operários que vieram para a

construção dos prédios públicos, notadamente em estilo Art Déco.

Juntamente com o conjunto desses edifícios públicos, que mais tarde

seriam tombados pelo IPHAN, o governo construiu uma série de casas

padrão onde funcionou o palácio do governo estadual, a faculdade de

Direito, o conservatório de música e como residências para os funcionários

que chegavam da antiga capital. Mais tarde, essas casas foram vendidas,

como registrou Monteiro (1938: 151):

Os primeiros prédios concluídos foram os dez destinados aos funcionários

e ao Jardim de Infância. Os dez prédios foram construídos na rua 20. Foi

essa a primeira rua de Goiânia. Nela foram instalados provisoriamente o

Palácio, a Secretaria Geral, o Escritório Central de Obras e a Diretoria

Geral da Fazenda, que por ser muito grande, teve que ocupar duas casas,

sendo uma para Seção de Terras. Uma das novas casas foi destinada à

residência do governador Dr. Pedro Ludovico Teixeira. Outra serviu de

residência ao Dr. Câmara Filho, direto do Departamento de Propaganda

e Expansão Econômica (...) Numa, foi residir o Dr. Sólon de Almeida

Superintendente do Departamento de Propaganda e venda de lotes.

Noutra residiu o Dr. Germano o Roriz até fins de 1935 quando (...) passou

[para]o Diretor Geral e Segurança Publicas Dr. João Monteiro. (Monteiro,

1938:151)

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Mas enquanto essas casas estavam sendo construídas, naquela

que seria considerada oficialmente a primeira rua de Goiânia, denominada

RUA 20, os primeiros habitantes, de fato, fizeram suas casas

de pau a pique e palha às margens do córrego Botafogo, fonte de água

potável. Ai foi instalada a pensão da Dona Maruca, onde todos se

encontravam. Nas margens do mesmo córrego, banheiros públicos

foram construídos e o lugar era fonte de água potável. Nesse primeiro

momento de ocupação havia, portanto, uma identificação com o mundo

rural, muito próximo da visão de mundo dos lugares de onde vieram:

pequenos animais silvestres, árvores frutíferas do cerrado, peixes,

banhos de córrego, noites estreladas enfim uma paisagem bucólica

embora “selvagem”.

Não havia água encanada. Então, as casas foram feitas com fundo, o

quintal, digamos assim, a terminação do quintal passava no córrego

Botafogo. Ai fizeram dois banheiros, forçaram... eles construíram uma

qued´água que tinha o banheiro das mulheres e depois mais para cima

dos homens (Entrevista com Da. Nize de Freitas 19/09/2006)

Foto 03: Rua 20. Eduardo Bilemjian. Déc. 1930. Goiânia. Acervo MIS-GO.

A Rua 20, em construção, foi traçada de forma paralela ao córrego

Botafogo. Entre a Rua 20 e o Córrego Botafogo se formou mais

espontaneamente a Rua 24, caracterizada por residências, embora essa

rua tenha sido marcada pelo lugar, sob uma Moreira, escolhido por

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Pedro Ludovico para assinar seus primeiros atos administrativos na

capital. Apenas mais tarde, passou a administrar do “palacinho” da

Rua 20. A importância dessa árvore no imaginário dos depoentes, lhe

dá um lugar de destaque nas memórias dos primeiros dias da nova

cidade como é o caso da Dona Virginia Pereira Mendes que em suas

reminiscências conversa com a velha árvore:

Tenho muita recordação de tudo que passou. Tenho a impressão que

você deve estar pertinho dos 80 ou 90 anos de existência. Deus te

abençoes pelo que tivesses, pois quantos anos faz que debaixo de suas

sombras durante o dia e a noite o repouso de um sono tranqüilo. Todos

que te procuram foram recebidos com muita bondade e carinho. Que

lindo destino foi o seu minha bela Gameleira [Moreira]. No dia que

você nasceu, talvez estivesse imaginado que ira ficar bem solitária, bem

sozinha, nesse imenso planalto. Mas o seu destino já estava reservado,

você teria que dar acolhida para todas aquelas famílias que estavam

migrando para essa bela capital. Assim, passaram muitos por debaixo

de sua sombra. (Virgínia Pereira Mendes, (01/11/2005).

Desta maneira, podemos dizer que a Rua 20 era um primeiro

ponto oficial, após todos passarem pelas sombras da velha Amoreira

bem próxima do Córrego Botafogo. O primeiro rito. Era, pois, um tipo

de batismo para quem viesse morar na nova capital. Depois havia o

rito oficial mesmo, de se abrigar na casas da Rua 20. Era uma rua

transitória, mas necessária. Nela, estavam concentrados valores

considerados importantes: a igreja (na Rua 20 morava o Bispo) e ao

lado foi construída a catedral de Goiânia, o Palácio do Governo, a

faculdade de Direito e Conservatório de Música, o Jardim de Infância

entre outros. Portanto, morar na rua 20 era morar perto do poder e do

prestígio. Entretanto, à medida em que a cidade crescia, aos poucos

essa função de liminaridade foi se perdendo. Com a construção do

Setor Sul, durante muitos anos considerado o setor nobre da cidade,

alguns moradores de maior poder aquisitivo construiriam suas casas

nele. Os funcionários e servidores foram também se distribuindo por

outros bairros da cidade, como o Bairro Popular, o Setor dos

Funcionários, o Setor Fama. Alguns moradores, como o advogado e

ex-professor do curso de Direto, Pereira Zeka, permaneceram na mesma

casa construída na década de 40, que seu sogro comprara do Estado.

Os mais pobres continuaram às margens do Córrego Botafogo, e até

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tarde seria uma grande favela, e depois se transformar no Setor

Universitário, onde hoje se encontram as primeiras edificações das

Universidades Federal e Católica de Goiás.

Observa-se, dessa maneira, que a cidade nasceu elitizada, na divisão

de seus espaços urbanos para além de qualquer boa intenção de

seus urbanistas e planejadores. Analisando as narrativas dos pioneiros,

categoria ampla, mas com quem identificamos a primeira e segunda

geração que viram a cidade nascer e crescer, moradores das primeiras

ruas e bairros ou mesmo filhos de políticos e funcionários de alto escalão

na época, têm-se a convergência de dados de que a cidade era dividida

em três áreas: 1) O manto de Nossa Senhora composto pelas avenidas

Araguaia, Tocantins e Paranaíba e Praça Cívica. As margens do Córrego

Botafogo e por último a região Norte depois da Estrada de Ferro e da

Avenida Paranaíba que era asfaltada. Pelo mapa tem-se uma noção desses

espaços. Divisão que fica clara no depoimento da filha do primeiro

prefeito Venerando de Freitas Borges, que nasceu na cidade antes mesmo

de seu batismo cultural em 1942.

Nos anos Dourados, nos anos 50 nós dizíamos assim: Goiânia

esta dividida, da Av. Paranaíba para cima, que o Palácio, era a nata da

sociedade que morava, da Av. Paranaíba, era a classe média baixa.

Então, as pessoas tinham essa rivalidade. Então você queria falar alguma

coisa assim, negativa de alguém, Ah fulano é... não é do lado

Sul. Ela mora além da Avenida Paranaíba. A Avenida Paranaíba era

um divisor, um divisor entre as classe sociais e até hoje isso existe.

Você mora onde? Ah no bairro do buraco? Sempre existiu. E Botafogo,

ali eram invasores, eram lavradores, empregadas domesticas.... ( Nize

de Freitas, 19/09/2006).

Reflexões patrimoniais na perspectiva antropológica

Quando se olha a questão patrimonial pela perspectiva antropológica,

percebemos algumas caminhos que desenham uma tensão com

relação ao tema da preservação, portanto do tombamento, do conceito

antropológico de identidade e do próprio processo inerente a

constituição e mobilidade das formas urbanas e seu dinâmico processo.

Poderíamos também associar com a idéia da Teoria do Conflito de

George Simmel nas diferentes formas de viver o urbano.2

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A experiência de uma antropologia na cidade de Goiânia (Lima

Filho, 2004) provocou um jogo de espelhos desses conceitos e das

narrativas relacionadas a eles, seja pelos entrevistados, seja pelos representantes

de políticas públicas, seja pelo próprio discurso antropológico.

Num primeiro momento, fica claro que a representatividade do

conjunto de Are Déco, como representante de um tempo áureo do início

da cidade, não tem correspondência direta com as narrativas do mesmo

período em que tais prédios públicos foram construídos. Típicamente

frutos de uma ação governista da Era Vargas, eles representam um

estilo arquitetônico em voga no período da década de 30, 40 e já tardio

como no caso da estação ferroviária da cidade nos anos 50. Estilo tão

diferente do olhar dos goianos que a filha do primeiro prefeito, Nize

de Freitas, perguntou ao pai o por quê daquela forma engraçada do

Cine Teatro Goiânia, ao que ele respondeu “Observa bem minha filha,

o teatro Goiânia é uma galera, observa bem que o formato dele é de

uma galera” e Dona Nize arremata: “ou seja, ele foi inspirado numa

galera egípcia”. Uma galera egípcia em pleno Planalto Central!

Considerado excepcional pelo IPHAN, o Teatro de Goaânia

ganhou o status de proteção federal. Goiânia entrou, assim, em 2001,

no seleto circulo de bens patrimoniais tombados pela União, fazendo

Foto 4 – Mapa de Goiânia (1937) por Attílio Corrêa Lima

Fonte: DAHER (2003).

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Goiânia: uma cidade patrimonial?

jus à atuação do órgão federal que foi instituído pela mesma lei que

criou o tombamento. Como já analisei, Goiânia se equivale à cidade

de Goiás nessa ciranda patrimonial do tempo.

As tensões que resistem como consequência disso, do ponto de

vista antropológico são, basicamente, duas. Primeiro, o estilo, como já

afirmou Metran (2006), não tem permeabilidade na concepção de

morar da população goianiense. Nem mesmo as “casas tipo” do inicio

da cidade, construídas pelo governo estadual, têm a Art Déco como

preponderante. Notam-se elementos desse estilo em algumas casas e

sobrados. Registra-se aqui a resistência cultural por detrás do discurso

e da práxis ideológica e de modernização de Pedro Ludovico e sua

equipe. Como vimos, a mudança provocou um movimento de

resistência na cidade de Goiás. Vencidos pelas mãos fortes de Getúlio

Vargas e de Pedro Ludovico, os vilaboenses quase se transfiguram na

constituição de futuros goianienses. Como que numa atitude tácita,

os descendentes dessa geração mães elegem, ao longo do desenvolvimento

da cidade, o estilo neocolonial como preferido. O estilo é

inspirado no passado e se caracteriza por largos beirais de madeiramento

aparente, recortados, frontões curvos como das igrejas

oitocentistas, vergas de arcos entre outros elementos. Em outras

palavras, os goianienses se rendem ao novo, porém não “abrem mão”

do velho. É só passear pela cidade. Portanto, aqui reside o contraponto.

O que se tombou foi o que o governo elegeu, no passado e no presente,

e não as pessoas, as famílias, as memórias. Disso decorre a questão:

não seria o neocolonial alvo de atenção de tombamento federal,

amparado pela legitimidade de seus moradores? A resposta parece ser

não, do ponto de vista da lei do tombamento, uma vez, contaminada

pelo hibridismo de formas, o neocolonial de Goiânia se distancia muito

do ideal de excepcionalidade. Para isso, o Colonial de Goiás já foi

tombado, poderiam alegar alguns. Contudo, do ponto de vista

antropológico, a negação é constrangedora, pois revela uma distancia

entre aquilo que é concebido como referências culturais e aquilo que é

eleito pelo Estado. Afinal, as culturas não são dinâmicas e híbridas

como quer Barth (1968) e Canclini (2003)? Ou ainda como questiona

Eckert (2002: 78).

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“Quem são os guardiões da memória celebrada pelo Estado e divulgada

pelos meios de comunicação de massa ? E quem são os herdeiros dessa

memória ? Estaremos, hoje conformados à memória seletiva de um

discurso oficial ou, estamos ao contrário (...) atentos aos fatores

aglutinantes apreendidos num processo de emancipação do sujeito e

coletivização do conhecimento histórico” ?

O jurista Frederico Marés esclarece que qualquer cidadão ao ver

suas referências culturais ameaçadas, mesmo que coletivas, pode entrar

com pedido de tombamento na justiça (Mares, 1986:23).

Daí formula-se a questão inevitável e provocadora: afinal, para

que serve o tombamento? Ouro Preto foi conservada porque foi tombada

ou porque foi esquecida no tempo, conservando um passado

(Gonçalves, 2001) que só mais tarde seria resgatado como ícone

patrimonial dos tempos modernos? Esse mal-estar na cultura, ou em

nossos arquétipos patrimoniais, para lembrarmos de Freud ou Jung,

talvez possa ser amenizado com a compensação do registro imaterial,

que, aliás, também resvala na armadilha fácil do excepcional. Assim,

podemos concluir que, do ponto de vista conceitual, tanto o

Tombamento quanto o Registro Imaterial são males patrimoniais

necessários, mas insolúveis na dinâmica das culturas.

A segunda questão conceitual que se coloca está diretamente relacionada

à idéia da preservação, tão cara na trajetória brasileira de

construção de uma identidade nacional, de nossas políticas patrimoniais

e que se impregna em nós como se o apego ao passado fosse uma

remissão pelo peso incômodo do atraso, da pobreza, do sertão, da

fatalidade histórica tão retoricamente ensaiada pelo nossos pensadores

da passagem do século XIX e inicio do século XX e tão obsessivamente

colocada em marcha por nossos estadistas e governos. Assim, faz sentido

o que Eckert e Rocha chamam de cidade-ruína que “é a expressão do

conjunto de intenções e de comportamento do homem brasileiro diante

do tempo” (...) “os habitantes valorizam o presente reformulando o

passado” (Eckert e Rocha, 2005: 24).

Nesse vai-e-vem temporal, o movimento que impulsiona para a

modernidade, rompe com o passado, destrói os patrimônios, tornam

inóspitas as relações sociais, individualiza o que foi marcadamente holista

por excelência. A volta ao passado parece querer ressemantizar e fazer

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Goiânia: uma cidade patrimonial?

marcar o passado no presente: é preciso proteger, contaminar-se de um

passado que nós mesmos destruímos, daí a busca por objetos, coleções,

ruínas. Talvez daí se compreenda uma ambigüidade nas narrativas

patrimoniais do homem urbano, como elucida a voz de um dos pioneiros

entrevistados, que nos disse que mudou radicalmente a parte frontal de

sua casa da Rua 20, uma das primeiras de Goiânia, devido à noticia que

correu de que o Estado iria tombar sua casa, “fiz um pecado patrimonial”

nas palavras dele. No entanto, a parte interna continua intacta. Mas

seu filho adiantou e sentenciou “tem que mudar mesmo, professor, faz

parte da modernização”. Portanto, a contraposição de uma proteção por

proteção sem convencimento ou algo que valha ou que faça sentido é

pura fumaça de retóricas para amenizar nossas sangrias patrimoniais e,

diria, existenciais. Como pensou Lefebvre (2004: 112) o fenômeno

urbano é ao mesmo tempo simultâneo e cumulativo. Simultâneo porque

é ponto de convergências dispares, memórias cruzadas, camadas do

passado, como num corte estratigráfico revela a erosão do tempo,

marcando a ausência, mas ao mesmo tempo demarcando o que ficou.

Cumulativo, pois demonstra vários conteúdos, culturas, técnicas, estilos,

formas urbanas, eu acrescentaria. Daí a coexistência, em uma mesma

casa o quase sentimento de culpa do morador já idoso e o rompimento

o filho, de outra geração, mas que sabe de cór o nome de todos os

vizinhos pioneiros e que demonstrou “controle de impressões” nesse

vis à vis com o antropólogo, numa situação de campo.

Entendo assim que a proteção ou a destruição fazem parte de um

jogo de poder, de controle de impressões e retóricas e de constituição

de personas políticas físicas ou jurídicas. É por isso que na Rua 20 se

encontram fragmentos de um passado representado pelos casarões

como a Casa de Colemar Natal e Silva, Pereira Zeka, a casa eclética dos

Sabino, a casa estilo normando de Helio Naves e aqui e acolá os brisessoleil

e traços retos das casas modernistas. Além disso, tem-se os

edifícios que colocaram abaixo a antiga Cúria e a Casa do Bispo, o

Palacinho de Pedro Ludovico e tantas outras. A Rua 20 é por excelência,

a metamorfose da cidade. Daí sua fisionomia tão distante de qualquer

intenção de tombamento federal ou de qualquer atitude patrimonial

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dos poderes estadual (que se restringiu a tombar uma casa tipo) e

municipal. O passado agoniza nos estacionamentos da cidade, que

quase tem um carro por cidadão habilitado. E assim, para lembrarmos

Sahlins, poderia dizer que o tombamento esse mito de origem de pensar

patrimonial brasileiro implode nos eventos históricos da cidade que

se transfigura. Mas como qualquer bom mito, suas estruturas arcaicas

permanecem apesar do roer do tempo, e assim, de vez em quando sua

eficácia tece as narrativas e ações concatenadas. E como não poderia

deixar de ser o rito acontece para reificar o mito. Não foi assim com o

tombamento do Art Déco em Goiânia e suas narrativas?

Notas

1 Sobre as questões históricas, ideológicas e de poder identificando os movimentos

políticos e históricos sobre as cidades de Goiás e Goiânia ver o

meu artigo” O Futuro do Passado da cidade de Goiás: gestão, memória e

identidade” (2003).

2 Ver Ekert (2002).

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ILHA

Revista de Antropologia

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quarta-feira, 25 de setembro de 2013

História e desenho


História e desenho

(mais uma opção de linguagem em sala de aula)

Lázara Alzira de Freitas

 

Várias linguagens podem se utilizadas em sala de aula, para tirar o professor do estado de ilha, fazendo-o voltar a se sentir, parte integrante de um processo que tem por finalidade o ensino e a aprendizagem.

Entre essas linguagens temos: literatura, cinema, arte, músicas, desenhos animados e outras.

Vamos nos ater neste momento na linguagem áudio e visual através do desenho animado.

Lembrando de relacionar o contudo ao tema trabalhado com o desenho proposto.

- Bob esponja: episódio: o hambúrguer de siri – trabalha uma exploração por parte do patrão. Seu Siriqueijo, o qual impõe uma série de regras para um funcionário exemplar que vão além das obrigações do mesmo e mostra o dia a dia do trabalhador bob esponja.

- Pica pau: história do esporte no episódio: aliança infantil – uma partida de beisebol a qual apresenta regras e funções do esporte.

- Tom e Jerry: para se trabalhar história e memória. No episódio: ah! O amor – apresenta uma constituição da história através de uma narrativa do passado, apresentado pelo rato Jerry, sobre uma desilusão amorosa do gato Tom.

- A turma da Mônica: para os problemas sociais; no episódio Magali, mingau com chuva – mostra os problemas enfrentados por uma cidade inundada pelas águas da chuva.

-Cavaleiros do Zodíaco – episódio 13 da saga do santuário; narra a luta de um cavaleiro para ganhar uma armadura, e assim voltar a terra natal.

 

Não podemos nos esquecer de apontar pontos de reflexão e relação entre atratividade e aprendizagem.

Adolescência - uma pequena parte dela

  Adolescência   Dos onze aos quatorze anos eu estudei no CCCM, fica ao lado da Igreja Coração de Maria, na Av. Paranaíba no Centro de Goi...