O
Sertão como Patologia, Abandono e Essência da vida Nacional
Nísia Trindade
Lima
O
Instituto Osvaldo Cruz, em sua viagens realizadas pelo interior do Brasil,
através de seus cientistas, detectou doenças que ficaram caracterizadas como
básicas da nacionalidade, o que determinou segundo eles abandono das elites
políticas.
Segundo
Nisia Trindade, o mais importante é perceber como uma perspectiva médica de
olhar para o sertão brasileiro transforma-se numa questão da cultura e da
política compartilhada por diferentes intelectuais.
Doenças
como a malária, a ancilostomose, são fontes de representação da sociedade e se
aliam a preguiça e a apatia do cidadão. Como um discurso científico, uma tese
higienista, serviu de base à elaboração de uma interpretação sobre a sociedade.
Fazendo com que os cientistas fossem identificados como missionários do
progresso, legitimadores do moderno.
Os
cientistas eram vistos como intelectuais, e ao discutirem o movimento de
reforma da saúde pública do primeiro período republicano, acabam por levantar o
duplo sentido do movimento, a construção
do homem do sertão e do intelectual. Mostrando suas renúncias a suas
tradições e o desconforto psíquico fazendo parte do intelectual.
O
tema da identidade nacional se entrelaçaria ao da identidade dos intelectuais,
assim como a idéias que nortearam a campanha do saneamento rural influenciou
sensivelmente o pensamento social brasileiro e o imaginário social.
Os
autores clássicos da ciências sociais analisaram os estudos com objetivo específico
de analisar as relações entre o discurso higienista e o pensamento social
brasileiro. Muitas vezes, higiene e saúde pública nos dizem mais a respeito da
ordem cultural e social mais ampla, do que sobre seus objetos específicos de
investigação.
Normatizar
a vida social a partir de preceitos didáticos pela higiene foi um fenômeno tão
notável que levou Pierre Rosanvalon (1990) a falar de um “Estado higienista”.
Identifica-se,
então, como obstáculo a esse processo, o conflito entre saúde e riqueza.
Até
metade do século XIX, encontra-se no chamado neo-hipocratismo, uma concepção
ambientalista da medicina baseada na hipótese entre doenças, natureza e
sociedade. O NEO HIPOCRATISMO deu origem a duas posições que durante os séculos
XVIII e XIX alternaram se na explicação sobre as causas e formas de transmissão
de doenças: a contagiosa e a anti contagiosa ou infeccionista.
Uma
doença podia ser transmitida de indivíduo a indivíduo são, por meio do contato
físico ou, indiretamente, por meio de objetos contaminados pelo doente ou da
respiração do ar contaminado pelo doente ou da respiração do ar circulante.
Na
concepção contagiosa, as práticas de isolamento de doentes, a desinfecção de
objetos e a instituição de quarentena consistem em re3sultados importantes de
tal concepção sobre a transmição das doenças.
As
características mais marcantes da higiene no período que antecedeu à
consagração da bacteriologia, consistia na indeterminação da doença. O Ar, a
água, as habitações, a sujeira, a pobreza, tudo poderia causa-la.
Louis
Pasteus, George Rosem e outros, entendem que a bacteriologia teria gerado o
abandono das questões sociais pela saúde pública; a caça aos micróbios
deslocando-se a observação do meio ambiente físico e social para a
experimentação confinada ao laboratório.
Os
estudos dos micróbios entrelaça-se fortemente ao da própria sociedade,
redefinindo relações, formas de contato
e as noções de pureza e de risco.
A
questão da higiene permitira intervir positivamente sobre o insalubre espaço
urbano.
Os
narradores oitocentistas descrevem a cidade como cenário das manifestações, das
relações de trabalho e sociabilidade. A cidade, então passa a ser vista como
laboratório social, onde se poderiam observar os novos aspectos da nova ordem:
a fome, a doença, a embriaguez e a loucura.
A
idéia de inslubridade e o surgimento de movimentos de reforma da saúde pública
em áreas rurais aparecem mais fortemente associados à tradição norte americana.
O
estudo dos movimentos de reforma da saúde pública nos estado Unidos da América
do Norte tem apontado a lentidão desse processo comparativamente à Europa, onde
os movimentos de reforma urbana e das condições de saúde datam do século XVIII.
Na
Inglaterra dos séculos XVI, e XVII, podemos dizer, nos estados Unidos da
primeira metade do século XIX, era comum que se buscasse a explicação para a
doença em algum erro moral, nos excessos, na alimentação inadequada e assim por
diante.
Durante
o ano de 1840, notam se iniciativas mais voltadas para a reforma social, que
incluíam a ação do estado e a criação de agências estaduais e federais de
saúde, visando ao diagnóstico de algumas doenças como resultado de
desigualdades sociais. Eram patologias sociais, para as quais havia necessidade
de solução de natureza pública. Era comum a associação entre civilização e
doença, o que resultava comk freqüência, em imagem negativa das cidades.
Greiscom,
um anticontagionista, defendeu a concepção de que doenças como o cólera, a malária
e a febre amarela eram transmitidas prioritariamente pela atmosfera.
A
guerra civil contribuiu para o aumento da consciência social acerca das doenças
epidêmicas. E após a guerra, um número crescente de reformadores voltou-se para
problemas sociais de ampla variedade.
Efeitos destas campanhas contra verminose no sul consistiu no fato de os
reformadores das escolas rurais atribuírem prioridade à saúde dos escolares e
ao ambiente da escola no processo de aprendizagem.
O movimento sanitarista mostrou que a doença
era o símbolo da apatia do trabalhador rural e do descaso das elites políticas
diante dos problemas nacionais.
Na
verdade, ao afetar indistintamente brancos e negros, a ancilostomose seria no
discurso de um dos principais militantes do movimento sanitarista durante 1910
a 1920, um elemento de nacionalização do imigrante, vitima da mesma forma que o
trabalhador nacional, da pandemia da preguiça.
Sob
o estímulo do clima intelectual suscitado pela experiência da Primeira Guerra
Mundial, inúmeros caminhos de construção da nacionalidade foram sugeridos,
envolvendo temas como saúde, analfabetismo e profissionalização do exército.
O
Brasil é um imenso hospital, mas força
do sertanejo garantiria a integridade territorial e política do país.
O
movimento sanitarista reporta-se ao Brasil descrito pelos relatórios das
expedições do Instituto Oswaldo Cruz, e escritores como Monteiro Lobato (1957,
p.269-92), que publicara em O estado de São Paulo, dois artigos a partir de sua
experiência como fazendeiro no interior de São Paulo; ele relata a verdadeira
face do caboclo brasileiro, objetivado por ele como “piolho da terra”,
“parasita”, “quantidade negativa”, em suma, o principal obstáculo ao progresso
do Brasil.
Em
1918 colocaram em cena um dos personagens mais conhecidos da ficção nacional, o
JECA TATU, um caipira ou “piraquara” do Vale do Paraíba, segundo explicações de
Lobato, o Jeca seria a medida que se intensificava o debate sobre as precárias
condições de saúde como explicação para a apatia do homem no interior.
A
campanha sensibilizou progressivamente nomes expressivos das elites
intelectuais e políticas do país e teve como um marco mais significativo a
criação da Liga Pró Saneamento do Brasil, em fevereiro de 1918.
Apresentando-se
como um movimento de caráter amplo, orientado por um nacionalismo que queria
resgatar “as coisas nacionais” e livrar o país dos males representados pela
doença.
A
solução para uma maior centralização das ações sanitárias no âmbito federal
ocorreu em 1920, com a criação do Departamento
Nacional de saúde. A ênfase na saúde coletiva e nas chamadas endemias rurais
marcou a constituição do departamento Nacional de Saúde Publica e a formação de
novas gerações de profissionais.
Tal
processo não ocorreu isoladamente no Brasil e contou com a participação ativa
da Fundação Rockefeller no ensino médico, como foi o caso da criação da cadeira
de higiene na faculdade de Medicina de São Paulo.
Percebe-se
a fragilidade do homem diante da natureza tropical. O sertão aparece quase como
sinônimo de uma natureza de difícil domesticação e, mais uma vez, isto tem
preferência a quase totalidade do território.
O
advento da bacteriologia reformulou os tempos do debate sobre a origem das
doenças, deslocando a importância atribuída por tanto tempo ao clima, na
determinação de inúmeras delas.
E
no século XX, o debate sobre a natureza não se resume as à questão das doenças,
mas há um debate que circula entre o selvagem e o civilizado. Um com uma vida
totalmente predatória a natureza enquanto o outro com uma vida mais próxima a
natureza, e por isso saudável e harmonioso.
Percebe-se
a presença do que se tem denominado como eugenia negativa, centrada no controle
sobre casamentos e na proposta de esterilização dos degenerados. O caso
brasileiro o principal porta voz dessa posição é o medico Renato Kehl,
publicista incansável das teses de casamentos indesejáveis e da necessidade do
estabelecimento de cotas raciais de imigração. No ano de 1930, fez-se sentir a
influência do pensamento eugenista germânico e norte americano.
Segundo
James Clifford, o processo de construção do objeto de estudo do etnógrafo é, ao
mesmo tempo, o processo de construção de sua própria identidade.