A Raiva e a Legítima defesa

A Raiva e a Legítima defesa
Segundo Natalie Zenon Davis, o mundo das cartas de remissão é um mundo de raiva, um mundo inesperado e nele, tanto pela lei divina como pela lei civil, proteger a própria vida ou a de um vizinho constituía uma exceção legítima ao mandamento divino de não matar, embora, a lei canônica recomendasse a fuga. (a autora da exemplo em Deuteronômio 19 “ em que Deus ordenava que se desse asilo àquele que por engano ferir o seu próximo, a quem não odiava antes”

Há um mito no Brasil de que existe algo chamado legítima defesa da honra. Ela aconteceria quando o cônjuge ou namorado(a) traído matasse o(a) parceiro(a) que trai e/ou a pessoa com quem trai. Segundo esse mito, a legítima defesa da honra seria um tipo de legítima defesa e, portanto, faria com que a justiça absolvesse o acusado. A lógica seria que a honra faz parte da pessoa, da mesma forma que a vida ou o corpo, e por isso a pessoa pode matar para protegê-la.

No entanto segundo os ensinamentos católicos, a ira, quer fosse gradual ou repentina, era um dos Sete Pecados Capitais, e a vingança e o homicídio eram frutos característicos. Segundo Calvino, “ por mais que seja a mão que comete o homicídio, é o coração que o concebe quando está manchado por ira e ódio.

Pois bem, isso é mito. Nosso antigo Código Penal (que vigorou entre 1890 e 1940), previa em seu artigo 27 que se excluía a ilicitude dos atos cometidos por aquelas pessoas que “se acharem em estado de completa privação de sentidos e de inteligencia no acto de commetter o crime”. Basicamente ele estava dizendo que não era considerada criminosa a pessoa que cometesse um crime quando estava em um estado emocional alterado. Era esse artigo que alguns juristas usavam para justificar a legítima defesa da honra. Mas reparem que, em nenhum momento, ele está dizendo que a pessoa pode matar o(a) parceiro(a) que está traindo. Isso era interpretação desses juristas.

Mas leiamos, agora, o artigo 28 de nosso atual Código Penal: “Não excluem a imputabilidade penal: I - a emoção ou a paixão”. Ele diz justamente o contrário do que dizia a antiga lei. Foi para que não houvesse nenhuma dúvida que o legislador não desejava que os magistrados absolvessem alguém que agiu movido por ciúme ou outras paixões e emoções é que o ele inseriu esse inciso na lei.

Pois bem, o mito, por ter entrado na cultura popular, perdurou até hoje, ainda que os magistrados e tribunais não aceitem o argumento de legítima defesa da honra.

A bem da verdade, esse argumento pode levar (e muitas vezes leva) à aplicação de uma pena maior ao acusado. Isso porque um outro artigo (61, inciso I, alínea ‘a’) de nosso Código Penal diz que cometer um crime por motivo fútil é uma agravante, ou seja, faz com que a pena seja mais severa. A mesma coisa apare no artigo 121, §2° (lê-se ‘parágrafo segundo’), inciso II, que diz que matar alguém por motive fútil transforma o homicídio de simples (cuja a pena maxima é de 20 anos) em qualificado (cuja pena máxima é 30 anos).

E para a maior parte dos juristas, alguém que mata por ciúme está cometendo um crime por um motivo fútil, tolo.



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